Um corpo com asas de
Rubem Alves.
Livro: A alegria de
ensinar, pág. 65.
A primavera
iniciará dia 23 desse mês. A estação é marcada por flores, cheiros, aromas,
sensações de bem-estar e nos trás a brisa do florescimento. Junto com ela vêm
as borboletas que se aproximam dos lindos jardins e transcendem voos
inesgotáveis. Gostaria de compartilhar com todos aqueles que acreditam que “pensar é voar. Voar com o pensamento é
sonhar” nas palavras sábias de Rubem Alves. Compartilhe com sua equipe esse
desejo, para que deixem de “viver
agarrado à folha que comem... talvez por medo... porque não sejam mais capazes
de voar e sonhar. Tornando-se gordas lagartas, que não têm coragem de se
desprender das seguras folhas onde rastejam”. Ótimo início de uma nova
estação.
Casulos… Vários deles
apareceram colados à parede de minha casa. Lá dentro, eu sabia, se encontravam
lagartas que dias antes haviam comido folhas das plantas do meu jardim.
Enquanto dormiam, espantosas transformações aconteciam com os seus corpos. As
criaturas aladas que antes moravam nelas apenas como sonhos estavam se tornando
realidade. Metamorfoses. Eu os deixei onde estavam, intocados, e vigiei, pois
não queria perder o evento mágico. Tive sorte. Pude ver o momento em que um dos
casulos se rompeu. Tímida, fraca e desajeitada, sem saber direito o que fazer
com a sua nova forma, uma borboleta apareceu. Suas asas se abriram, mostrando delicados
desenhos coloridos. O tempo não me permitiu ficar, para ver tudo. Quando
voltei, ela não estava mais lá. Seguira seu novo destino de voar à procura e flores.
Se o mundo da lagarta não era maior que a folha que comia, o universo da
borboleta era o jardim inteiro. Iria, flutuando ao vento, por espaços com que uma
lagarta não podia sonhar.
Pois é: a Mariana
também está saindo do casulo. .A cada dia que passa vejo suas asas crescerem:
novos desenhos, novas cores, vôos cada vez mais distantes. Está se
transformando em borboleta.
Não! BorboLETRA…
Ela aprendeu a
falar, e as palavras lhe deram asas. Até se esqueceu das bolinhas. De repente
elas ficaram pouco para o muito que cresceu dentro de sua cabeça.
Enquanto brincava
com as bolinhas ela não era muito diferente de um gatinho que também gosta de
brincar com bolinhas. Seu corpo se movia colado às coisas, rente ao chão. Mas
ao aprender a usar as palavras ela começou a voar por espaços infinitos, como a
borboleta.
Palavras, coisas etéreas e fracas, meros sons.
No entanto, é delas que o nosso corpo é feito. O corpo e a carne ‘e o sangue
metamorfoseados pelas palavras que aí moram. Os poetas sagrados sabiam disto e
disseram que o corpo não é feito só de carne e sangue. O corpo e a Palavra que
se fez carne: um ser leve que voa por espaços distantes, por vezes mundos que não
existem, pelo poder do pensamento. Pensar é voar. Voar com o pensamento é
sonhar. Lembram-se das palavras de Valéry? “O pensamento é o trabalho que faz
viver em nós aquilo que não existe.” E ele pergunta: “Mas, que somos nós sem o
socorro do que não existe?” É o poder de sonhar que nos torna humanos.
É nisto que a psicanálise acredita. Somos sonhos cobertos de carne. Por isto
que, diferente dos médicos, que apalpam, olham, examinam e medem os sintomas
físicos do corpo, ela se dedica a ouvir as palavras. Pois é nelas que moram as
coisas que não existem, os sonhos, os pensamentos que nos fazem voar. Sem
prestar muita atenção ao rastejar da lagarta, ela procura ver a forma dos
movimentos que a borboleta desenha no ar por meio das palavras. Ela sabe que o
visível, a carne, é apenas uma fina superfície em cujo interior existe um mundo
encantado. Corpo, lagoa… Na superfície, os reflexos do mundo de fora: as
árvores, as nuvens, as montanhas…Mas se, libertados do fascínio dos olhos,
pararmos para ouvir as palavras que saem de suas profundezas, como bolhas,
poderemos ter vislumbres de criaturas invisíveis, peixes coloridos, catedrais
submersas, plantas desconhecidas, histórias de amor e de terror.
A Mariana aprendeu a falar. Ela ganhou o poder de voar pelos mundos que
moram nas palavras. Ouve histórias. Aquelas que sempre foram contadas:
Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve… O mundo da sua fantasia se
liberta dos limites do casulo. Pouco importa que nunca tenham acontecido, as
histórias. “Se descreves o mundo tal qual é”, dizia Tolstoi, “não haverá em
tuas palavras senão muitas mentiras e nenhuma verdade”. As palavras nos dizem
que estamos destinados a voar, a saltar sobre abismos, a visitar mundos
inexistentes: “pontes de arco-íris que ligam coisas eternamente separadas”.
Pelo poder da palavraela pode agora navegar com as nuvens,
visitar as estrelas,
entrar no corpo dos animais,
fluir com a seiva das plantas,
investigar a imaginação da matéria,
mergulhar no fundo de rios e de mares,
andar por mundos que há muito deixaram de existir,
assentar-se dentro de pirâmides e de catedrais góticas,
ouvir corais gregorianos,
ver os homens trabalhando e amando,
ler as canções que escreveram, aprender das loucuras do poder,
passear pelos espaços da literatura, da arte, da filosofia, dos números,
lugares onde o seu corpo nunca poderia ir sozinho…
“Corpo espelho do universo! Tudo cabe dentro dele!”
Não é à-toa que a Adélia Prado tenha dito que “erótica é a alma”.
Enganam-se aqueles que pensam que erótico e o corpo. O corpo só é erótico pelos
mundos que
moram nele. A erótica não caminha segundo as
direções da carne. Ela vive nos interstícios das palavras. Não existe amor que
resista a um corpo vazio de fantasias.
Um corpo vazio de fantasias é um instrumento
mudo, do qual não sai melodia alguma. Por isto que Nietzsche disse que só
existe uma pergunta a ser feita quando se
pretende casar: “Continuarei a ter prazer em
conversar com esta pessoa, daqui a 30 anos?”
será o fascínio, maior será o número de melodias
que saberá tocar, maior será a possibilidade de amar, maior será a felicidade.
É nisto que a
psicanálise acredita. Somos sonhos cobertos de carne. Por isto que, diferente
dos médicos, que apalpam, olham, examinam e medem os sintomas físicos do corpo,
ela se dedica a ouvir as palavras. Pois é nelas que moram as coisas que não
existem, os sonhos, os pensamentos que nos fazem voar. Sem prestar muita
atenção ao rastejar da lagarta, ela procura ver a forma dos movimentos que a
borboleta desenha no ar por meio das palavras. Ela sabe que o visível, a carne,
é apenas uma fina superfície em cujo interior existe um mundo encantado. Corpo,
lagoa… Na superfície, os reflexos do mundo de fora: as árvores, as nuvens, as
montanhas…Mas se, libertados do fascínio dos olhos, pararmos para ouvir as
palavras que saem de suas profundezas, como bolhas, poderemos ter vislumbres de
criaturas invisíveis, peixes coloridos, catedrais submersas, plantas
desconhecidas, histórias de amor e de terror.
A Mariana
aprendeu a falar. Ela ganhou o poder de voar pelos mundos que moram nas
palavras. Ouve histórias. Aquelas que sempre foram contadas: Chapeuzinho
Vermelho, Cinderela, Branca de Neve… O mundo da sua fantasia se liberta dos
limites do casulo. Pouco importa que nunca tenham acontecido, as histórias. “Se
descreves o mundo tal qual é”, dizia Tolstoi, “não haverá em tuas palavras
senão muitas mentiras e nenhuma verdade”. As palavras nos dizem que estamos
destinados a voar, a saltar sobre abismos, a visitar mundos inexistentes:
“pontes de arco-íris que ligam coisas eternamente separadas”.
Pelo poder da palavra
O corpo de uma criança
e um espaço infinito onde cabem todos os universos. Quanto mais ricos forem
estes universos, maiores serão os vôos da borboleta, maior
Por vezes, entretanto,
acontece uma metamorfose ao contrário: as borboletas voltam ao casulo e se
transformam em lagartas. Porque voar é fascinante, mas perigoso. É preciso que
não se tenha medo de flutuar sobre o vazio com asas frágeis. É mais seguro
viver agarrado à folha que se come. E eu me pergunto sobre o que aconteceu conosco.
Pois um dia fomos como a Mariana, borboletas aladas, em busca de espaços sem
limites. Talvez, por medo, tenhamos abandonado as asas. Talvez, por medo, já não
sejamos capazes de voar e sonhar. Gordas lagartas, que não têm coragem de se
desprender das seguras folhas onde rastejam...
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