Desabafos
de uma Coordenadora Pedagógica.
Por
Andréa Rosa.
Chegaremos em breve ao
término de mais um ano e em breve iniciaremos outro. Afinal, o tempo tem
passado muito rápido. Paro nesse momento para fazer um levantamento sobre os
caminhos que percorri em minha carreira. Penso em minhas crenças profissionais
e me deparo com questionamentos dos quais não obterei respostas. Senti que
precisava escrever, desabafar e compartilhar com outras pessoas que também
vivenciam momentos como esses. Talvez assim, consiga obter um acalanto ao meu
coração e ver que não estou completamente só nessa caminhada!
“São tantas emoções” já
diria o bom e experiente cantor. Percebo que o tempo tem passado, as concepções
e ações pedagógicas estão se modernizando, os novos e ilustres palestrantes que
lotam plateias de todo o Brasil e no exterior têm verbalizado sobre novas formas
de avaliarmos, planejarmos, executarmos, concebermos afetividade dentro da sala
de aula e até vêm se pronunciando o quanto os governos estão visualizando metas
financeiras dentro de um poder contido e que todos os sistemas avaliativos como
Enem, Saresp, Sinaes entre tantos outros que já existiram, existem e ainda
serão criados, são formas ilusionistas de análise educacional. Não são
parâmetros para mais nada nesse país. O pior, não são parâmetros afetivos
defendidos dentro da educação.
Tantas discussões são
promovidas nos congressos, simpósios, colóquios e outros “ós” que podemos ter,
e ainda assim, vivemos em meio a uma educação velada e contida. Onde não
podemos falar abertamente o que passamos e pensamos. O que vemos e vivenciamos
enquanto absurdos da educação. Muitas informações são transmitidas dentro de
uma possibilidade assistida. Se sairmos muito dos “parâmetros” permitidos,
corremos riscos de alguém vetar as informações e resultados. Quem sabe até
“cloná-los”.
Penso que de todos os cargos
internos de uma escola e relacionados à educação: professor, orientador
educacional, bibliotecário, inspetor de alunos, merendeiro, auxiliar de classe,
diretor pedagógico, diretor financeiro, coordenador de eventos, secretário,
faxineiro, assistente administrativo, coordenador de esportes, orientador
religioso entre outros, a função de coordenador pedagógico seja o mais
sacrificante, exaurido e desgastante cargo que possa existir dentro de uma
escola. Gostaria de me justificar usando exemplos diários, vivenciados e que,
se possível, alguém me responda relatando outros acontecimentos que provem que
não estou tão errada assim.
Temos que zelar por todos na
escola. Desde os alunos, os professores, os pais e até os demais funcionários
da empresa. Estamos no meio de uma verdadeira batalha, lutando por ideais que
já não são mais aplicados ou se tornam cada vez mais distantes frente à compra e
modificação de resultados. “Só para ficar bonito na fita”.
Um pai procura a coordenação
no final do ano (somente no final do ano) para questionar porque seu filho não está
indo bem. Final do ano, reforço! Na verdade o aluno será reprovado, é fato, e o
“Sr. Pai”, postergado, foi chamado várias vezes no colégio, mas ele dizia estar
ocupado e que não poderia comparecer às reuniões de pais. Menos ainda nas
conversas individuais com a coordenação. Sai o resultado. Seu filho, como
esperado reprova. O pai resolve “aparecer”, “reencarnar” e em última instância,
desesperada, após não compreender o motivo real que levou seu exemplar filho a ser
reprovado questiona tudo. Apela e oferece um carro ao coordenador pedagógico
para ver “o que consegue fazer” a respeito. Como o coordenador não aceita, o
pai tece todos os xingamentos possíveis contra a pessoa dele e contra o
colégio. Jogando a culpa na incompetência do estabelecimento, alegando que não
possa perder um ano de investimento. Investimento? Parece que esse título no
meio político teria outro nome. O bom, é que nessas horas a coordenação
pedagógica respire, suspire e caminhe sem se abalar. Descanse com a consciência
em paz. Afinal, chamou esse “Sr. Pai” umas oito vezes ao longo do ano e tem
tudo registrado para não confrontar com diretorias de ensino que insistem em
criticar a escola e se fazer cumprir leis de ministros que se quer permearam
seus vãos ensinamentos em sala de aula.
Outro exemplo vivenciado e
bastante significativo que já enfrentei no cargo, foi de uma mãe convocada para
comparecer à coordenação, onde a mesma seria comunicada que sua filha vinha apresentando
um comportamento inadequado frente aos professores a amigos. Seu uniforme,
evidentemente se apresentava com dois números menores do que ela deveria vestir,
parte do seu corpo ficava a mostra. Mas não dificuldades financeiras,
obviamente, pois estava num colégio muito caro de São Paulo. Já havia assediado
alguns professores para obter bons resultados, por mais que os professores chamassem
sua atenção, ela vivia com o celular na mão fazendo “selfies”. Sua
concentração permeava entre outros assuntos, que não eram os estudos. Na última
feira de eventos, essas que os colégios promovem como fonte de inspiração para
a socialização e marketing interno e não reforço educacional, a aluna veio com
um micro short, o que não era adequado de forma alguma, pois foi comunicado que
o uso do uniforme seria obrigatório e para finalizar, foi pega no banheiro
masculino. A mãe, que se veste tal qual a filha, malha bastante para não entrar
em conflito com a idade, fez várias reparações físicas (como aplicação
botulínica, preenchimentos e plásticas), não aceitou a colocação da coordenação
e questionou se a mesma estava “insinuando que sua filha era vulgar”. A
coordenação procura acalmá-la e pontuar com elegância e bom senso o que a mãe
precisava ouvir e não queria. Não preciso contar o final dessa situação, pois a
mãe de forma alguma aceitou as colocações e se manteve falando horrores sobre o
colégio que não compreende sua filha e seu desenvolvimento maturacional.
Amadurecimento? Acho que nessa família, eles não sabem a verdadeira tradução desse
“nome comportamental”.
Esses são apenas dois
exemplos relacionados às desestruturas familiares atuais, que a coordenação
pedagógica vem enfrentando no seu dia a dia. Mas existem exemplos
interessantíssimos relacionados a má postura profissional dos professores que
temos que orientar. Parece que os mesmos perderam o bom senso, o
profissionalismo, a seriedade da profissão e questiono se isso é um reflexo
político sobre o desmerecimento da categoria. Sobra para o coordenador
pedagógico resolver quase tudo e um pouco mais que sua função atestaria. Professores
que não sabem mais preencher diários ou esperam que todos os colégios tenham o
famoso diário eletrônico. Até porque os portais e muitos programas já os trazem
prontos. Afinal as aulas estão cada vez mais numeradas e menos humanizadas em
prol da concorrência e da falta de tempo em ministrar todo conteúdo e de um
resultado surpreendente para ser conquistado no final do ano. Obviamente,
porque isso se chama marketing escolar. Quanto maior o número de alunos que
ingressar nas universidades públicas (mesmo que seja para não terem aula),
maior será a procura de novos pais por esse colégio considerado “forte”.
Nesse caso, professores que
trabalham com sistemas de ensino e com livros didáticos em outro colégio,
enfrentaram a necessidade de “retroagirem” no registro. Esse professor
pronunciará críticas sobre esse colégio que na visão dele, é muito démodé.
Esperando contar com a tecnologia dentro da instituição (para facilitar seu
trabalho), esse professor deparar-se-á com o preenchimento manual. Conclusão:
rasuras ocorrerão em seu diário, não conseguirá preencher todas as presenças
deixando apenas o F da falta, sua letra será horrível, normalmente “de forma” e
por isso a coordenação precisará de uma tradução simultânea para ver o que está
escrito. Esse é apenas um dos muitos problemas gerados pela falta de
sistematização dos registros. Sem contar na falta de criação de aulas
interessantes, inovadoras, resgate de conteúdos, um olhar apurado sobre os
muitos alunos com problemas de aprendizagem, falta de inovação nas aulas e
avaliações e por aí segue uma lista interminável de problemas. Mas o professor
tem que ser cobrado! Pois a coordenação pedagógica também se sente cobrada
pelos resultados por parte da direção.
A coordenação ainda se depara
com outra dicotomia. O problema de se tornar um “bode expiatório” tentando
intermediar o que a direção e mantenedores do colégio exigem com relação às
questões financeiras contra o idealismo dos professores em sala de aula. Nesse
sentido presenciamos um desmerecimento do trabalho do professor absurdo no final
do ano nos conselhos de classe. Onde alunos que devem até 6,0 ou 8,0 pontos na
média, são literalmente “passados” para que os pais não tirem esse aluno do
colégio. Ou ainda para “amarrarem alunos”, as antigas e quase extintas “Dps” as
quais não restauram aprendizagens alguma. Aliás, outros termos mais modernos
foram criados como recuperação paralela, recuperação contínua, aulas
contraturnos... O quadro realmente só piora em duas últimas situações: quando
alguns pais são amissíssimos da direção, aí a aprovação é quase que imediata ou
ainda, quando a direção precisa livrar-se de algum professor, por questões
pessoais e a coordenação é quem deverá demiti-lo. Nesse caso, a coordenação
pedagógica passa a assina com outro pseudônimo: “Jesus”. Afinal, precisam de
alguém para crucificar.
Talvez esse artigo não seja
nada simpático e muito menos estimulante. Talvez não tenhamos soluções
imediatas. Mas o que torna esse artigo “bom” para os coordenadores pedagógicos é
pelo fato, de que posso desejar o “enfrentamento” deles, de peito aberto e saibam
que não estão sozinhos nesse universo conflitante da educação. Todo coordenador
pedagógico, em sua grande maioria fez Pedagogia. Quando escolheu esse caminho
não sabia o que enfrentaria. Acreditava que “cuidaria” apenas da formação do
professor ou das “verdadeiras leis” que regem esse país. Com o tempo, foi
percebendo nos bastidores o real motivo da sua existência humana. Fique
tranquilo! Siga sua missão e lembre-se do grande inspirador tão falado no seu
curso, Paulo Freire “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si
mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Entendeu? Ficou mais fácil
agora?
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